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25.1.16

uma fábrica de alegrias...

voltando ao distrito do design, não podia deixar de escrever sobre The Old Biscuit Mill, uma antiga fábrica de biscoitos no coração de Woodstock, hoje transformada numa pequena aldeia vibrante e calorosa que passou a ser o lar de mercados, espaços para escritórios, oficinas e lojas de design, restaurantes, etc... é lá onde trabalham alguns dos mais talentosos artistas sul africanos da actualidade, fotógrafos, decoradores, designers e é também a morada da Cape Town Creative Academy

o lugar tem um aroma e ambiente que por vezes se confunde com qualquer zona perdida num país escandinavo... incrível mas esta sensação acontece com alguma regularidade em Cape Town, hora estas em África mas também pode acontecer que sintas a Europa ao redor! 

no top da fábrica com vista para uma parte do distrito, o Pot Luck Club é um restaurante e também galeria com um ambiente tão descontraído que da a impressão que os funcionários estão a divertir-se entre amigos. um copo de vinho acompanhado com pot luck club fish slidres ao mesmo tempo que se aprecia o espaço e não se pensa em nada, apenas naquele momento... talvez seja uma experiência de solidão mas é extraordinária! 

Saucisse Boutique Deli (pequeno mercado/pastelaria com ambiente familiar) ou Daddy.o (aluguer de salas/secretarias para trabalhar) são daqueles espaços que se entra, olha-se para o sorriso dos funcionários, dá-se uma volta com calma e mesmo que não se compre nada sai-se com uma sensação de felicidade. 

em Cape Town apercebi-me que mercados de sábado de manhã ou feiras como chamamos aqui, é um conceito bastante presente na vida dos sul africanos... são muitos os lugares que têm um evento do género, alguns acontecem no último sábado de cada mês ou mesmo todos os sábados. só em Woodstock fui ao The Palms MarketThe Neighbourgoods Market que acontece no Old Biscuit Mill e também em Joanesburgo. 

The Neighbourgoods Market é um lugar de misturas de gentes, cheiros, sons de diferentes línguas mas também de música ao vivo, onde é possível comer uma deliciosa paella que é confecionada ao vivo por dois jovens com aparência norueguesa e um timorense, mas com muitas certezas que os três sejam sul africanos! há de tudo lá, legumes e frutas frescas, café artesanal, carne argentina, crepes franceses, prego português, água de coco e até cozinha para cowboys!


foi nesse dia que conheci o autor da banda sonora que me tem acompanhado nos últimos tempos. Riccardo Moretti é italiano e autor do projecto TribalNeed, uma combinação de instrumentos orgânicos e brinquedos misturando musicalidade progressiva com ritmos electrónicos europeus e sons tribais afro-australianos, resultando numa música electrónica original tocada ao vivo. é mesmo incrível e contagiante ouvir-lhe ao vivo!
 

regressar a este lugar será com certeza uma missão quase obrigatória.

22.1.16

III Trienal de Luanda

a III Trienal de Luanda continua muda ou a falar muito baixinho, ao mesmo tempo que tem se apresentado mais com projectos reciclados e menos com coisas novas, apesar o espaço do Palácio de Ferro seja por si só um projecto novo, que até se encaixa bem no conceito do evento “Da Utopia À Realidade | Da Escravatura Ao Fim Do Apartheid”.

entretanto, apesar de ser o menos importante, tem-se falado muito de política (não cultural), intrigas, disputas e outras coisas fora do contexto do evento num tom cada vez mais agressivo. discordarmos uns dos outros não deveria significar exclusivamente uma coisa negativa... precisamos todos de falar mais e nos ouvirmos mais ainda... como em quase todos segmentos da sociedade angolana, os fazedores de arte também precisam dialogar mais independentemente da opinião que têm, muitas vezes e através da nossa própria arrogância misturamos vezes sem conta o trabalho de determinado artista com a sua vida pessoal ao ponto de querermos decidir que esta pessoa não tem direito a ter opinião por mais absurda e divergente que seja.
 
entrevista com Fernando Alvim, director da III Trienal de Luanda.

por outro lado, a cidade está satisfeita com o novo espaço.

20.1.16

Imany

o outro lado da moeda

antes de começar a escrever este post tenho de contar uma outra história. 
escrevi estas palavras em Sea Point no La Vie Cafe & Bar, um espaço com esplanada com vista para o mar. pelo ambiente, o preço e outros itens que identifiquei, arrisco que o lugar seja para classe média/alta, onde, com excepção da maioria dos funcionários que servem as mesas, sou o único negro. entram 3 mulheres e pedem para ir a casa de banho, depois uma regressa e senta-se na mesa de alguém e bem na minha frente aparentemente com discrição de quem já faz isso algumas vezes, tira a carteira de uma menina e põe-se em fuga... eu e mais 2 pessoas ainda saímos atrás dela mas a rapariga sumiu na esquina seguinte! felizmente a carteira reapareceu graças as amigas que foram pressionadas pelo gerente do bar. 

a história para dizer que durante todo tempo que caminhei por Woodstock várias pessoas advertiram-me para ter cuidado com a maquina fotográfica porque poderia ser assaltado, ao contrario de Sea Point onde nunca ninguém me disse nada! 

agora, o assunto desse post. 
sempre acreditei que o presente de um povo dificilmente se desliga do seu passado. a Africa do Sul viveu anos e anos um sistema de apartheid, e apesar do mesmo já ter terminado a 21 anos atrás, no dia a dia de uma cidade como Cape Town é muito difícil para um negro não se deparar com fragmentos bem presentes desse sistema. por incrível que pareça, os próprios negros por força de anos de limitação, também eles ainda hoje alimentam de forma invisível este sistema. só assim consigo explicar que um policia insiste em indicar-me a paragem de táxis colectivos, quando várias vezes dizia que queria um táxi normal (quase a fazer o desenho de um taxímetro!). no supermercado a maioria dos funcionários quase que não encaram nos olhos os clientes brancos... mas também, há que dizer que não é fácil estar 19 minutos numa loja da Apple onde os funcionários apenas vão ter supostamente com clientes brancos questionando you need help, mesmo observando que está ali uma pessoa a muito mais tempo e ninguém pergunta se precisa de help! não é uma experiencia muito agradável, posso garantir. 

para os negros sul africanos talvez a mensagem do fim do apartheid foi mal transmitida. penso que faltou dizer-lhes bem explícito que uma coisa é o fim de um sistema racista e outra coisa é dizer que à partir desse momento terão acesso ao mesmo nível de vida que os brancos, o que significa ter o mesmo nível financeiro... coisa que não acontece do dia para noite nem em 21 anos de pátria arco-íris. como estrangeiro, é-me difícil julgar, ainda mais quando estive em lugares onde vivem pessoas relativamente pobres mas com acesso a bens que em Angola nem muitos ricos têm.

18.1.16

aquele lugar que se deve mesmo ir

a ilha do diabo como lhe chamou o homem mais famoso de África, é daqueles locais “clichés” mas que têm mesmo de ser visitados. todos os dias a fila para apanhar o barco é longa, por isso o mais aconselhável é fazer booking online com bastante antecedência.

considerado património da humanidade pela Unesco em 1999, Robben Island é hoje um lugar lindo e no dia em que visitei o céu estava completamente limpo num azul alegre que contrastava com a sua real história. ao ouvir as histórias do guia é difícil não ficar chocado com a crueldade dos humanos, mas ao mesmo tempo é possível imaginar que a quantidade de vezes que aqueles guias contam a sua própria história de horror é em si também um facto que talvez os ajude na terapia mental que possivelmente são obrigados a fazer. 

enfrentar e falar frontalmente de um passado bárbaro e cruel, é talvez uma das melhores formas que esse país encontrou para minimizar as feridas e fazer as pazes consigo próprio.

apesar de sair do local altamente enojado e quase deprimido, é preciso admitir que Robben Island é hoje um bom exemplo de como um povo utiliza os erros do passado para melhor perceber o presente e melhorar o futuro.

15.1.16

Stevenson

por vezes, passamos por situações tão simples mas que nos criam um grande sorriso de felicidade! 

antes da viagem para Cape Town li algures que o Edson Chagas ia expor numa galeria na Africa do Sul... não lembro onde li nem em que cidade seria a exposição, e também já não sei se realmente na pouca pesquisa que fiz para a viagem cheguei a essa informação, só para saber se por acaso era em Cape Town. 

na longa caminhada que fiz por Woodstock fui parar Buchanan Square, e foi a partir de lá que ao acaso cheguei a Stevenson, uma galeria no nº 160 em Sir Lowry Road com entrada discreta para um armazém, onde no hall deparei-me com livros do Guy Tillim e do Pieter Hugo! 

simpática e de sorriso aberto, S perguntou-me se precisava de ajuda. deu-me um flayer com detalhes da exposição SCHEMA e desapareceu entre as paredes brancas da galeria. fui entrando ao mesmo tempo que lia o flayer, quando do nada entre Wim Botha e Ian Grose lá estava o nome do Edson Chagas! regressei ao hall e com um grande sorriso disse a S que era camba do Edson e como angolano queria antes demais ver o trabalho dele.

depois veio a conversa, uma rápida apresentação do espaço e o a vontade para fazer imagens sem receios. o espaço é bastante interessante, lindo e com cheiro e áudio criativo como outros que visitei pela zona, mas encontrar ali o Edson no meio do Pieter Hugo, Moshekwa Langa ou Meleko Mokgosi, encheu-me daquele absurdo orgulho patriota! como diz-se muitas vezes: podes sair da banda mas dificilmente a banda sai de ti.
 

14.1.16

o evento que não fala

depois da última edição em 2011, penso que Luanda já tinha saudades da Trienal... a verdade é que passou muito tempo para o evento regressar a cidade, o que de alguma forma elevou ainda mais as espectativas que tinha do evento. 

a III Trienal de Luanda que tem como tema “Da utopia à realidade” começou com informação/comunicação deficitária, para não dizer inexistente, silenciosa ou mesmo muda! para um evento que já lançou tantos artistas e que no passado movimentou de tal maneira a cidade que até na imprensa internacional se fez sentir, é inconcebível que na sua terceira edição o evento não saiba comunicar. um site, um blog, uma simples página no facebook ou um link no instagram para falar das plataformas online mais populares e com um uso simples e custo económico reduzido. na imprensa local quase não se encontra nada com excepção de uma entrevista ou um artigo, sendo mesmo impossível encontrar a programação do evento. o blog 3950 minutos é talvez o lugar com mais e melhor informação sobre o evento. 

segundo informação, a III Trienal de Luanda começou no mês de novembro de 2015 e vai até novembro de 2016, com ambição de se estender a varias cidades do país que não sei quais são nem o tipo de formato ou conceito que tem o evento. 

feliz ou infelizmente, o circuito de pessoas das artes em Luanda é bastante pequeno e agenda cultural da cidade nesta altura é quase inexistente, daí que foi neste circuito que tive a informação do show da passada sexta-feira no Palácio de Ferro com o grande Carlitos Vieira Dias (guitarra acústica) acompanhado do Nanutu (saxofone) e Dalú Roger (percussão), onde a Banda Next fez a sua reaparição na segunda parte do show. estranho facto ser o cota Carlitos Vieira Dias a apresentar-se em primeiro... não pela sua idade nem pelos anos de música do cota, pessoalmente acho que num show sobe primeiro ao palco quem tem menos qualidade. 

a noite foi bastante agradável em primeiro lugar porque o espaço ajudou muito. voltar a estar no Palácio de Ferro apesar daquele amarelo irritante, foi um momento emocionante... o espaço é um ícone da cidade e só espero que seja entregue ao público e que possamos ter o prazer de presenciar mais eventos culturais no local. 

as Vozes de Um Canto é o único disco que tenho do cota Carlitos Vieira Dias... é daqueles álbuns que escuto quando tenho saudades de uma Luanda em que nunca vivi, uma Luanda que me foi apresentada em histórias dos mais velhos... é um som muito próprio que me faz viajar para um momento especial e feliz da minha vida. o Nanutu com a sua ginga peculiar, foi um acréscimo feliz na sonoridade de clássicos como Lemba, Clube Marítimo Africano ou Palamé

a primeira vez que vi a Banda Next foi no Chá de Caxinde, na II Treinal, numa noite maravilhosa que possivelmente já escrevi sobre o momento. gosto bastante do Nuno Mingas pela sua voz, a forma como se movimenta em palco mas também por ser amigo. nessa nova versão da Banda Next, o Nuno igual a si próprio conseguiu entreter-nos com os seus movimentos em palco em jeito de performance, mas irritou-me bastante que o show foi praticamente uma copia da noite do Chá de Caxinde que aconteceu em 2011, com agravante que dessa vez notava-se claramente que faltou a banda mais horas de ensaio! houve alturas até que o Nuno estava numa e a Banda estava noutra e no meio de caminhos opostos lá reencontravam-se. 

não foi uma perca de tempo com certeza, a experiência de ouvir a guitarra de Carlitos Vieira Dias naquele espaço aberto é coisa rara em Luanda. 

entretanto, continuo a espera que a organização da III Trienal de Luanda fale mais com o público e que apresente melhor o que realmente vai acontecer durante os 12 meses que vai durar o evento.