em Angola, uma das criticas que fiz e mantenho aos produtores do Luanda International Jazz Festival, foi o tamanho com que o festival nasceu... sempre achei que pela grandeza de muitos músicos que se apresentaram nas três primeiras e únicas edições do festival, a ideia que ficou é que aquele “bebe” nasceu com uma força de uma criança de 10 ou mais anos, um defeito que provavelmente faz parte da sociedade angolana... normalmente pensamos sempre grande e são rara as ideias que nascem como um pequeno embrião e vão crescendo aos poucos. mas é preciso ser justo com as pessoas que tiveram a excelente ideia de criar o festival, foi importante levar o evento para cidade, Luanda precisava (precisa) e merecia (merece) algo do género, apesar que hoje e olhando as coisas a partir de como o evento acontece aqui em Cape Town, acredito que uma das principais dificuldades que a produção teve foi a falta de estrutura inexistentes em Angola para suportar um evento desta envergadura. não adianta esconder, a percepção que eu tinha do Cape Town International Jazz Festival (CTIJF) a distância é totalmente diferente da que tenho hoje, depois de presenciar a forma como a cidade se prepara para o evento e principalmente a existência da estrutura física e humana para um evento que acabou de completar 18 anos de existência! é mentira, ninguém chega aqui com 3, 5 nem 7 anos... é preciso mais, muito mais, é preciso também que o país em si tenha as condições para que um evento do género aconteça nesse nível de qualidade, condições de estruturas física e humanas que ultrapassam a responsabilidade das pessoas que tiveram a excelente ideia de criar o Luanda International Jazz Festival.
dito isso, voltemos ao CTIJF2017 que atingiu a marca da 18ª edição em grande, no ano em que comemorou a passagem para idade adulta.
depois de anos de namoro, a minha estreia no festival não podia ter sido melhor... sem espectativas especificas, desde o momento em que soube que iria estar no festival que preparei-me para ir ao evento descobrir músicos que ficariam comigo para sempre... tinha a certeza que assim seria e por isso, não pesquisei sobre nenhum dos artistas em cartaz que não conhecia. ao primeiro dia, antes mesmo do impacto da qualidade do som de qualquer banda ou músico, surpreendeu-me o sorriso de felicidade das pessoas assim que entravam para o recinto, muitas pareciam crianças acabadas de entrar numa disneylândia, outras, não escondiam que o momento era de realização de um desejo antigo, a felicidade estava presente.
o meu entusiasmo com os músicos que conhecia e que já tinha visto ao vivo estava controlado, apesar que cada show é um show, a ideia como disse acima era descobrir coisas novas... ainda assim, confesso que ver Manu Dibango e Moreira Chonguiça juntos foi como se fosse a primeira vez... na verdade, no mesmo palco foi... ver os dois juntos numa conversa que me levou para as tardes de sábado em que o meu pai sentava na sua cadeira de embalar e olhava o infinito ouvindo Manu Dibango. gosto dele também por essa saudade boa que a sua música me transmite, mas também pela simplicidade com que lida com as pessoas como já tinha notado em Luanda... afável, simples, disponível mesmo sendo quem é, até em palco dava para notar a simpatia e o jeito extraordinário com que olhava e tratava o Moreira Chonguiça sem nunca transmitir a ideia que o mais velho e estrela sou eu. a conversa foi entre iguais, dois saxofonista que levaram o público do palco Kippies a primeira grande viagem da noite.
depois, seguiram-se as estreias e algumas descobertas, começando Tsepo Tshola, Pops Mohamed, Vudu e Tresor, um congolês do Congo democrático que mistura uma sonoridade africana com aquele pop-rock americano e uma presença em palco entre Michael Jackson e Kofi Olomide! foram essas as minhas primeiras descobertas no festival. Tsepo Tshola é daquelas vozes sul africanas que te faz esquecer todos os problemas do momento... de 63 anos, o mais velho de bengala em mão mexe-se em palco como se estivesse no altar de uma igreja, aliás, o gospel está presente no seu som de tal forma que o público comportava-se como se estivesse na presença do grupo coral lá da paróquia. a noite ia subindo de intensidade quando encontrei outro senhor, Pops Mohamed, um desconhecido que ouvi pela primeira vez num dos melhores programas de rádio de Angola, Afrikya, apresentado pela cota Maria Luísa Fançony na LAC todos os domingos de manhã. considerado um dos músicos que mais contribuiu na luta pela preservação da música indígena sul africana, senti-me um privilegiado por ter a sorte de presenciar aquele momento extraordinário, ouvir as notas que ele tocava no seu Kora, instrumento senegalês que se parece com qualquer coisa doutro mundo mas quando tocado assim, leva-nos aceitar que apesar da crueldade humana, por vezes somos uma espécie capaz de fazer coisas incrivelmente bonitas.
a Syia Makuzeni conheci o ano passado quando já vivia aqui em Cape Town. a rádio tem sido um dos meios de descoberta da música sul africana... é incrível a riqueza sonora e vocal que esse país tem, um factor que ajuda a explicar o desenvolvimento da industria musical alcançado pela África do Sul. conheci-lhe quando foi anunciado o prémio do Standard Bank Young Artist 2016 na categoria Jazz. a performance dela foi para mim a mais doce do festival, num auditório com uma acústica que possivelmente permite ouvir os passos de um insecto! adorei o saxofonista dela, parecia que tocava com o coração até ao momento em que o público não se conteve e explodiram os gritos, aplausos, suspiros e até algumas lágrimas.
por fim, ficaram dois grandes que conhecia mas jamais tinha visto ao vivo. Kamasi Washington era um sonho antigo, daqueles épicos que quase não conseguia fotografar porque queria apreciar-lhe sem distrações, queria também estar com amigos a presenciar o momento para uma futura conversa de como não faz sentido gostar de hip-hop sem ser apreciador de jazz... Kamasi Washington é quase a prova viva que os dois estilos possivelmente são um sob-conjunto de uma coisa comum, mais crua, menos sensível e até certo ponto com uma sonoridade desencontrada mas que no final está lá aquele som incrivelmente perturbador que faz suspirar.
ao fim do primeiro dia de CTIJF2017 apercebi-me de algo curioso que provavelmente muitos dos estrangeiros que veem ao festival notam... os músicos estrangeiros que são convidados para esse evento independentemente do seu status de estrelato têm mesmo de apresentar boas performances em palco, caso contrario serão normalmente ultrapassados pela grande qualidade dos músicos da casa, músicos de uma qualidade que por vezes tenho dificuldades em perceber por onde é que o mundo anda que eles ainda não se tornaram estrelas de status internacional! Jonas Gwangwa é um deles, mas podia falar sobre tantos outros que já ouvi por cá. este senhor que fazia parte da playlist do meu pai é um dos mais influentes músicos sul africanos, daqueles que também se exilou para fugir o apartheid, tema presente na música do seu trombone levando-nos para uma viagem de lamentações e de perdão para todas atrocidades que foram cometidas nessa terra num passado não muito distante. “I never had the notion of being a big star or having big money. I was jus tinto the music.” disse ele em entrevista ao jornal Times Live.
pequenas notas:
1 – apesar do status de
DIVAS, a performance das En Vogue ficou abaixo da maioria das bandas sul
africanas.
2 – excelente descoberta dos Jameszoo e Tom Misch, este último com uma das performances da noite possivelmente com o público mais electrico.
3 – das melhores condições de trabalho que já presenciai para a imprensa, incluindo o profissionalismo, disponibilidade, rigor e compreensão dos voluntários que apoiaram a imprensa durante o festival. foi gratificante ver o Mr. Billy Domingo (Director do CTIJF) aproximar-se do grupo de fotógrafos e tirar alguns momentos para palavras de confiança a agradecimento pelo nosso trabalho, dizendo mesmo que a organização sempre olhou para os média como um parceiro importante na realização deste evento.